A história de Jogos da Rockstar mudou radicalmente em 2001, após o lançamento de Grand Theft Auto III, quando o estúdio passou de uma modesta empresa para um dos maiores gigantes da indústria dos videojogos. Os quase quinze milhões de cópias vendidas por este clássico não deixam margem para dúvidas. Os irmãos Houser, as suas principais caras visíveis, demonstraram a viabilidade da visão que tinham defendido desde o lançamento do primeiro jogo GTA em meados dos anos noventa. A partir desse momento, os sucessos da Rockstar multiplicaram-se; desde a sequela imediata Grand Theft Auto: Vice City a outros megatítulos igualmente inovadores como State of Emergency ou a distribuição de Max Payne. Os títulos produzidos e distribuídos pela Rockstar Games não deixaram ninguém indiferente. De facto, jogar com a controvérsia e a polémica fazia parte dos planos dos Housers, que nunca hesitaram em usá-la em seu proveito. De facto, reza a lenda que para a distribuição do Grand Theft Auto original, os irmãos contrataram um especialista em publicidade negativa para os ajudar nesta tarefa.
Sob o lema clássico de não há má publicidadeA equipa da Rockstar partiu do princípio de que a imprensa, a esfera política e até mesmo algumas celebridades dariam sempre aos seus títulos uma publicidade que valia o seu peso em ouro. O estúdio dava a impressão de estar a aproveitar todas as críticas, mas, segundo os testemunhos de antigos empregados, parece que alguns trabalhadores não foram capazes de suportar essas censuras com tanta dignidade como os Housers. Coincidindo com as primeiras acusações de abuso de crunch por parte da Rockstar, começava a sentir-se no estúdio um sentimento de descontentamento tanto com as políticas da empresa como com as críticas furiosas ao seu trabalho. Um dos momentos mais violentos foi quando, no final de 2003, pouco menos de um ano após o lançamento de Vice City, a comunidade haitiana nos EUA organizou protestos, alegando que o jogo defendia a morte de haitianos como forma de entretenimento. O ambiente na Rockstar Games estava a tornar-se cada vez mais rarefeito e muitos dos criadores esforçavam-se por lidar com a situação. O que ninguém poderia imaginar era que a gota de água seria o futuro projeto do estúdio, o controverso Manhunt.
Lançado no final de 2003 para a PlayStation 2 – e alguns meses mais tarde também para a Xbox e PC – Manhunt foi, sem dúvida, o título mais controverso da história da Rockstar, com a permissão da sua posterior sequela. Como tantos outros títulos produzidos ou distribuídos pelo estúdio, Manhunt também foi inspirado pelo amor incondicional dos Housers pela sétima arte. Mas se a saga Grand Theft Auto era um tributo aos filmes de gangsters de Hollywood e Max Payne uma demonstração de admiração pelo film noir, Manhunt era um tributo ao género gore e snuff. O seu protagonista era James Earl Cashum condenado no corredor da morte a quem um produtor de cinema desonrado tinha prometido a liberdade, desde que assassinasse outros criminosos da forma mais cruel e impiedosa possível em frente a uma câmara. Desta forma, o jogo recompensava o execuções de acordo com as suas brutalidadepregando as execuções mais sanguinárias possíveis e a criatividade usando as diferentes armas à disposição do jogador.
Confesso que nunca consegui gostar de Manhunt, pois a sua violência explícita era demasiado para mim. No entanto, o público amante do género clamou pela sua excelência e, em particular, pela sua jogabilidade original. De facto, a revista Hobby Consolas atribuiu-lhe uma nota de 88, afirmando que “o desenvolvimento do jogo consegue cativar desde a primeira jogada e é muito divertido”. Os seus produtores, entre os quais se encontrava o veterano Leslie Benzies, não escondiam as suas intenções e a polémica não tardou a chegar. O jogo foi proibido em vários paísescomo a Alemanha e a Nova Zelândia, onde a sua simples posse era também considerada uma infração penal. E a imprensa não esperou um segundo para soltar os cães em busca de matéria-prima, com manchetes a chamar Manhunt ao videojogo assassino.
As críticas prejudicaram os criadores do jogo, tal como aconteceu com projectos anteriores, mas no caso de Manhunt foi particularmente desanimador, uma vez que o produtor Jeff Williams afirma que nunca aceitou trabalhar no projeto de livre vontade. Williams afirma que “(…) houve quase um motim na empresa por causa desse jogo. (…) a maior parte de nós na Rockstar Games não queria fazer parte dele”. O jogo, segundo ele, fazia-os sentir-se sujos devido à sua violência explícita: “Todos sabíamos que não havia forma de justificar aquele jogo. Não havia forma de o racionalizar. Estávamos a passar dos limites. Pior ainda, segundo Jeremy Pope, outro antigo produtor da Rockstar, todas as queixas da equipa não só caíram em saco roto, como “todos os dias alguém dizia algo de que não gostava sobre o jogo (…) e eles diziam ‘vocês são uns idiotas do caraças'”.
O pior ainda estava para vir. Em meados de 2004, nem sequer um ano após o seu lançamento oficial, a imprensa noticiou o assassinato de Stefan Pakeerahum rapaz de catorze anos de Leicester, vítima de um colega de dezassete anos que o espancou brutalmente até à morte. A polícia concluiu que o motivo do crime foi um roubo, mas alguns dias depois os pais de Pakeerah afirmaram que a culpa era de Manhunt, pelo que os dois rapazes foram obcecados. O assassino, concluíram, estava a tentar imitar cenas desse jogo de vídeo. A tempestade mediática que se desencadeou no Reino Unido atingiu níveis nunca antes vistos, nem mesmo em tragédias anteriores como a de Columbine, num caso que os tablóides apelidaram de “…”.Assassinato na PlayStation“. Uma polémica que rapidamente chegou às mais altas esferas políticas, de tal forma que o próprio Tony Blair, então primeiro-ministro britânico, foi obrigado a falar sobre o jogo no Parlamento, afirmando que era “totalmente inadequado para crianças”. A sua comercialização não foi proibida, como muitos afirmaram, embora algumas das principais cadeias de lojas do país tenham retirado o jogo das suas lojas por sua própria iniciativa.
Foi demasiado para muitos dos empregados da Rockstar Games. Veteranos como Jeff Williams, Jeremy Pope e Marc Fernandez, alguns deles o braço direito de Houser, deixaram o estúdio pouco depois de. Não só por causa do controverso Manhunt, mas também por causa dos ares rarefeitos que se começavam a respirar na Rockstar, como a já referida política de crunch, pela qual os seus criadores não tiveram, por exemplo, um único dia de descanso entre o desenvolvimento de Vice City e o não menos controverso GTA: San Andreas com aquele Hot Coffee que tantas dores de cabeça gerou. Assim, os irmãos Houser foram confrontados, no início do século passado, com a tarefa de reconstruir o seu estúdio a partir do zero, adquirindo diferentes estúdios para as suas fileiras, tais como Rockstar San Diego o Rockstar Vancouver.
Alguém chamou ao Manhunt um “simulador de homicídios”. Uma definição que pode ser usada tanto com num sentido pejorativo ou o contrário. A Rockstar Games teve muitos jogos controversos no seu catálogo, e nesta secção já falámos de alguns deles, como o Bully, mas este foi sem dúvida, como os seus próprios criadores afirmaram, o que mais ultrapassou os limites. Mesmo assim, o título, sem se vender ao nível de outros títulos da Rockstar, teve um bom desempenhopelo que foi desenvolvida uma sequela alguns anos mais tarde. Um jogo que, para cúmulo, não só apareceu na PlayStation 2, mas também na PSP e na Wii.
Uma leitura: Jacked: The Outlaw Story of Grand Theft Auto
A equipa editorial da GamePress trouxe-nos a tradução espanhola deste livro de leitura obrigatória para os fãs da Rockstar. Um livro de culto.
JACKED: A história fora da lei de Grand Theft Auto (CONTEXTO)
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